quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Pequena Prosa Pequena 03: Noite em Claro

Mais uma noite, outra como tantas outras, que passaria em claro. Já fizera de tudo: lera, pensara, rolara. De tudo mesmo. Meus pés sentiam uma grande autonomia, iam a lugares inesperados. Sentia o desespero de mais uma noite em claro. O céu não era o mesmo, sabia sim muito bem. Não apenas amarrado na teoria física. O céu não era o mesmo posto que não fosse, ele, o mesmo. Sua vida uma eterna linha continua. Linha não, círculo. Continua, não havia secções nela. Havia, sim, progressos e regressos, mas era uma linha (círculo) e continua.
Quando os pés se acalmaram ele fora deitar-se mais uma vez. A mesma vista de todos os dias. Borges de cabeceira (Ficções e O Aleph), o despertador, barulhento e incomodo, e a luminária. Tudo isso em um criado mudo, que no Rio Grande do Sul se chama bidê, herdado de uma tia avó.
O sono não vinha apenas o sonho. Ou a vontade de sonhar de ali não mais retornar. Havia algo de estranho em sua cama. Algo que lhe causava angústia e repugnância. Talvez fosse a rotina: dormia lá desde que não dormia mais em berços. O problema da insônia seria a cama, ou seu ocupante? Dúvida compartilhada por ele inclusive. A sensação de cansaço, de derrota, de dormência, o vence. Estava mergulhando no reino de Morfeus.
Quando um som estridente, um som indesejado, invade lhe o quarto. Não vale o esforço literário de descrever qual fora esse som. Sua definição fora logo ignorada, o que foi relevante fora o despertar provocado. Não iria dormir. Estava acabado. Estava entregue. Estava rendido. Estava vencido.

E de tão vencido acabo dormindo.

terça-feira, 15 de setembro de 2015

Pequena Prosa Pequena 02: A Defloração

para uma mulher há muito esquecida.

Eu e ela, naquela tarde, em outra vida. Nossos corpos ainda estavam trêmulos, foi tudo assim tão mágico, tão vivo com tantas cores, várias coisas, indefinido assim. O silêncio, o tão austero silêncio, estava por lá. O diálogo era inútil, nossos corpos, nus, gritavam tudo que precisávamos ouvir. Enfim em um delicado abraço nos perdíamos nele e em nosso resoluto desejo. Como fora tão vivo, tanto que ainda sinto o odor do momento. Nada, nenhuma palavra, verso, linha ou poesia seriam capazes de descrever perfeitamente, e delimitar, o ocorrido, o consumado.

Sim! E era definitivo: eu a amava, ela me amava, mesmo que apenas no tempo efêmero de um orgasmo. E isso fala por si só.

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Pequena Prosa Pequena 01: Triagem

para Rosi, sem ela essa pequena história seria simplesmente impossível.

É tarde da noite, quase adentramos o mais profundo do reino da deusa Nix. Estamos dentro de uma sala de recepção da seção de pronto-atendimento de um grande hospital público. A cidade, o bairro, pouco importam, pois há um caráter universal na história a seguir.
A sala é arejada, toda branca, iluminada com luzes brancas, dando a impressão de estarmos em um lugar limpo e totalmente livre de todas as ameaças possíveis que possam conter em um hospital dessa magnitude.
Opostamente à porta de entrada, há uma ampla mesa de madeira, provavelmente alguma espécie de compensado, com as bordas amadeiradas em cor marrom. Há, ainda, divisões de workstations, de vidro, há pelo menos umas 15, onde cada pessoal tem um monitor de computador, um teclado e um mouse.