No último domingo (27
de abril), o lateral direito da seleção brasileira e do Barcelona fez um ato
que causou furor no noticiário: ao bater um escanteio, um torcedor do Villareal
jogou uma banana em campo, em ato puramente racista, e então Daniel Alves pegou
a banana e a comeu.
Uma atitude genial,
afinal ele embaralhou o campo semântico, ao tirar do ato, uma banana sendo
jogada para um macaco (um negro ou pardo), ao reduzi-lo ao fato de uma banana
ser... uma banana. Parece ser algo
idiota, afinal bananas são frutas e frutas têm que ser comidas, porém ele fez
um jogo intelectual muito complexo e com espontaneidade, o que mostra a ainda
mais força por trás do ato.
O campo semântico tem
muito poder, porque, simplificando muito, remetem à semiótica de signos,
significado e significante. Ou seja, temos um signo, banana, que tem dois
significados distintos, uma fruta e uma alusão racista, e frouxa, aos negros, e
o que esse significado possui para o quem o observa, o significante. Naquela
situação, naquele contexto, o segundo significado pareceria o mais apropriado.
E ai que entra a virada no jogo do campo semântico. Em um lance que não dura
dois segundos, Daniel Alves talvez tenha alcançado o maior feito de toda a sua
carreira.
Infelizmente, o
racismo é presente na sociedade, por isso é presente no futebol. O técnico
Vicente Del Bosque, gênio e atual campeão do mundo e europeu, disse que não há
racismo no futebol em si. Acredito que Del Bosque quis dizer que entre os
profissionais do ludopédico – jogadores, técnicos, preparadores, cartolas e
jornalistas – o racismo não é um fator relevante. Alguém seria idiota o
suficiente em não contratar o Pelé para seu time somente pela cor de sua pele?
Até compreendo o
pensamento do técnico espanhol, porém, como parte integrante de determinada
sociedade, o futebol acaba sendo um reflexo daquilo que ela é, mesmo que de
forma distorcida. E onde reside o racismo no esporte bretão? Justamente naquela
parte não profissional, e mais sociológica e antropológica: na torcida.
Por ser um
apaixonado, logo um ser comumente tido como supressor da razão em prol dos
sentimentos e instintos mais básicos, ao torcedor tudo é permitido. Pode
ameaçar jogador? Pode. Pode xingar? Pode. Pode vaiar? Pode. Pode ir de Porto
Alegre até Manaus ver um jogo entre São José e Nacional? Pode. Pode-se tudo,
sendo torcedor.
Ao que reside o
perigo, pois com isso o torcedor é tido como alheio a sociedade, dono de um
código de conduta próprio e único, em um terreno onde nem sempre as leis são
aplicadas. Se você, homem comum, xinga alguém na rua, o que acontece?
Provavelmente você será processado por injúria; e se você xinga alguém nos
estádios, digamos, o juiz, o que acontece: você recebe aplausos e elogios. Esse
paradoxo do torcedor é que gera atos como esse do Daniel Alves e outros tipos
de racismo.
Voltando, um pouco,
ao que disse Vicente Del Bosque sobre o racismo no futebol, basta pensarmos em
quatro seleções europeias: Portugal, França, Inglaterra e Alemanha. Nesses
quatro países, temos um forte fluxo migratório, seja de ex-colônias (os três
primeiros casos, principalmente), seja de países às margens econômicas da União
Europeia (Inglaterra e Alemanha). Se escalarmos a seleção alemã da última
Eurocopa, teremos, entre os 23 convocados, 7 jogadores de origem fora da
Alemanha, filhos de imigrantes turcos, poloneses e africanos em geral. A
francesa o número é ainda maior: pelo menos 11 jogadores, de origem
majoritariamente africana. Outra seleção que esse fenômeno é enorme é a
holandesa, onde os negros oriundos de ex-colônias americanas chegam a
representar metade dos jogadores, enquanto representam menos de 2% da população
em geral. Del Bosque prova-se, então certo. Afinal dentro do futebol, em sua
esfera profissional, não vemos realmente racismo. O grande problema está
justamente nas arquibancadas, o grande motor e coração do esporte.
Passemos, agora, para
as repercussões do ato do Daniel Alves nas mídias sociais e no noticiário.
Como todos já sabemos,
logo após a reação de Daniel Alves, o Neymar lançou, na sua conta do Instagram,
a campanha #somostodosmacacos, onde aparecia abraçado com seu filho segurando
um banana.
Não é preciso grande
intelecto para descobrir que isso logo teve um penetração enorme nas mídias. As
timelines foram invadidas por fotos
de pessoas segurando bananas e usando a hashtag
acima. Várias celebridades também aderiram a causa – dessas, a que mais me
estranhou foi a de Luís Suarez, jogador uruguaio do Liverpool, que já chegou a
ser suspenso por ofensas racista; mas como diria Gilles Lipovestky: “só os idiotas não conseguem mudar de
opinião.” – e a tal campanha se tornou uma verdadeiro fenômeno.
Tudo lindo, não?
Não. Afinal, ao final
do dia, o apresentador Luciano Huck já comercializava em seu site, camisetas
com estampas de bananas e com a hashtag,
com preços a partir de R$ 69,90. A mídia apurou e logo se descobriu que a tal hashtag foi criada pela agência de
publicidade Loducca, que é quem cuida da imagem publicitária do Neymar,
previamente a pedido do pai e empresário do Neymar, que também já sofrera atos
racistas no Campeonato Espanhol. Ou seja, a tal campanha não passava de uma
jogada de marketing para vender o bom-mocismo e bom-caratismo do Neymar, afim
de melhor a sua imagem.
Nem entro na vereda
se ele precisa melhor a imagem dele fora das quatro linhas ou não, para isso
bastava ter a mesma importância no Barcelona que ele teve no Santos – algo que,
por sinal, só mostra a fragilidade dos nossos campeonatos, mas o que me espanta
é como o lobo do capital abocanha cada oportunidade para se retroalimentar.
Por causa de uma meia
dúzia de interessados interesseiros, toda uma ressignificação no campo
semântico, além de um tapa com classe no rosto do racismo, foi para o bueiro.
Afinal, esse segundo fator acabou sendo eclipsado pelo fato da campanha ter
sido maquinada, não espontânea, tal como fora o gesto. É a ética do capital que
corrói e corrompe tudo e a todos.
Para Daniel Alves e
seu gesto, aplausos. Para a tal campanha, as vaias, os xingamentos, ou melhor:
o silêncio do Maracanã após perdermos a Copa de 1950 para a Celeste Olímpica,
que é, afinal, o que a ética do capital merece.
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