terça-feira, 8 de abril de 2014

A Intrusa (Jorge Luis Borges)

“Entre eles os irmãos não pronunciavam o nome de Juliana, nem sequer para chamá-la, mas procuravam, e encontravam, razões para não se pôr de acordo. Discutiam, por exemplo, a venda de uns couros, mas na verdade tratava-se de outra coisa.”Jorge Luis Borges – A Intrusa, in O Informe de Brodie

A primeira vez que eu li o conto A Intrusa, do argentino Jorge Luis Borges, eu quase tive um ataque cardíaco; foi por conta de dois motivos: à época andava tendo uns problemas meio sérios de saúde – esses eu já tenho mais, possuo outros agora – e porque durante a leitura e após ela eu tive o prazer de ser apresentado ao subtexto.

Sabe aquela intenção não escrita de um autor passar um discurso através de metáfora ou uma alegoria, ou pela dubiedade que certas palavras apresentam. Ou pela simples omissão de desfecho. Eu consegui entender o subtexto, claro que já sabia o que era antes, e sim eu já havia lido outros textos profundos com múltiplos significados. Mas com este eu conto eu, pela primeira vez, cheguei a esse subtexto sozinho, sem ajuda de nenhum professor, comentarista ou leitura prévia.
Eu devia estar no segundo ano do ensino médio – eu acho – e tinha um professor de português que eu sempre idolatrei, fui conversar com ele sobre a minha interpretação do conto e ele me disse que ela estava “certa”, mas não correta, pois haveriam tantas multiplicidades de leitura em um texto borgeano que ficava difícil de se fechar todas as portas interpretativas.
E por qual chave de interpretação que eu me utilizei, e utilizarei, para o conto? A sexualidade.
A história do conto é extremamente simples: dois irmãos, Cristiano e Eduardo Nelson, que após a primeira cena são chamado de Nielsen, que moram em uma cidade próxima a Buenos Aires – Turdera – nos fins do século 19, vivem uma vida muito dura, marcada pela lida campeira, pelos jogos, pelas brigas e pelas bebidas, num quadro típico da mitologia do gaúcho pampeiro, sempre presente na obra de Borges como símbolo de um limiar entre a civilização e a barbárie. Tudo ocorria normal, com o silêncio de ambos, há incríveis três falas e nenhum diálogo no conto, a dureza da vida, até que um dos irmãos resolve, literalmente, arranjar uma mulher, Juliana.
Juliana é totalmente coisificada por Cristiano, com quem não troca absolutamente nenhuma palavra. A marca de Caim surge quando Eduardo e Juliana trocam alguns olhares e se enamoram. Cristiano, então, resolve autorizar Eduardo a usá-la como quiser.
O que se segue, então, é evidente: naquela vastidão, distante no tempo e no espaço, como está escrito no prólogo do livro, os dois irmãos percebem que o amor, em amplos sentidos, que um sente pelo outro é maior do que qualquer coisa que possam sentir por uma terceira pessoa, dai o título, A Intrusa, do conto: Juliana é uma intrusa, um fator fora da curva, um resultado inesperado, em um mundo dominado pela masculinidade, pela frieza, pela falta de sensibilidade. Os gaúchos, assim como os cowboys dos westerns, precisam ser homens sem sentimentalismos, que se sentem completos sós ou com seus pares.

Mas isso, como diria aquele meu professor, é apenas uma leitura. Qual é a sua?

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